19 de março de 2013

Frustração do dia

Afirmava que nem só de comentários inteligentes vive o homem. O que significa dizer que, para o bem do convívio social, para a saúde das relações interpessoais, para a alegria dos dias monótonos, é necessária ao homem a capacidade de tecer comentários desprendidos de maiores contribuições cognitivas.
Respondeu: "Bom, mas veja você que Bauman, em sua teoria sobre a sociedade individualizada...". 
A conversa transformou-se num monólogo.
Eu ainda estava ali, mas meu cérebro havia desligado pela enxurrada de frustração.

15 de março de 2013

Quando tudo significa nada

Nós tínhamos o mundo inteiro sob os nossos pés. Nós tínhamos todas as cartas nas mangas. Nós estávamos exatamente no lugar certo, mas nos deixamos esquecer pelos dias velozes que correm, com pressa. Nos deixamos esmorecer pelo clima frio que enrigesse os ossos e a alma. Dos músculos retesados às mãos atadas, deixamos a vida escorrer como quem está cansado demais para se preocupar.

Aos poucos, o tempo se encarrega de dar conta de todas as preocupações.

De resto, sobra apenas aquela ex-vontade. A antiga vontade de fazer alguma coisa, misturada à antiga falta de empenho, que resulta na não-realização de quase tudo. Nós tínhamos todas as possibilidades à nossa frente, mas não nos arriscamos. Tínhamos uma vida inteira, mas a deixamos murchar sem gozar de sua velhice.

Nós tínhamos tudo para dar certo, mas não demos.

14 de março de 2013

Do dia em que a dissimulação ficou evidente

- Amor, acho que vou cortar meu cabelo bem curto.
- Hm.
- Posso?
- Você não precisa me pedir, lindinha. Óbvio que pode. Você...
- Ah, a velha história do "você fica bem de qualquer jeito".
- Exatamente. Mas é sério, eu ia gostar de te ver com o cabelo curtinho.

Dias depois...

- Mudei de ideia, não vou mais cortar meu cabelo.
Um minuto de silêncio.
- E as pessoas ainda têm coragem de dizer que Deus não escuta a gente...

12 de março de 2013

Dos filmes que eu indico

Em busca de Pandora

Seres perfeitos. Respeito pelos outros e pela natureza. Amor pelos irmãos. Confiança acima de tudo. União.
Essas deviam ser palavras comuns a nós e, no entanto, nos despertam algo semelhante à… esperança. Esperança de que um dia tudo seja baseado nesses princípios. Esperança de que sejamos perdoados por nos faltar tanto caráter, tantas virtudes. Talvez, para alguns, esperança não seja a palavra certa. Talvez desperte algo mais próximo a arrependimento. Arrependimento por não correr atrás dessas coisas especiais chamadas qualidades. Não correr atrás do que nos traz humanidade.  O filme Avatar é um tapa na cara de todo mundo. Traz à tona uma realidade muito mais próxima da nossa do que se pode imaginar. Depois de ler algumas críticas, fiquei intrigada por tantos elogios. Era possível que o filme fosse assim, tão perfeito? Só conferindo para ter a resposta. E foi exatamente o que eu fiz. Ontem, durante as duas horas e cinquenta minutos de uma aventura fantástica, com efeitos magníficos e uma mensagem inexplicável, eu tive certeza de que finalmente encotrei um filme digno da minha total admiração. Admiração pelo autor de uma história tão tocante e linda, pela mensagem passada e, claro,  pela produção do filme. Começa pela trilha sonora, depois o ótimo elenco e o nomeadíssimo autor e diretor, James Cameron. Não podemos subestimar o cara responsável pela maior bilheteria da história do cinema (subestimá-lo estava longe das minhas intenções), mas jamais imaginei que fosse ficar tão encantada por um filme como fiquei por Avatar. O universo lindo de Pandora, o planeta imaculado onde todos os seres se importam com os outros, onde a natureza é tida como responsável por tudo e por todos, respeitada acima de todas as coisas, é o alvo da ganância e mesquinharia do ser humano. Em Pandora, há uma ligação palpável entre seus habitantes e tudo que os cerca. Uma mágica sem fim, transposta para as telas de maneira com que os espectadores se sintam parte de toda a realidade dos Na’vi, os habitantes lindos que assustam à primeira vista. O selvagem, original, curioso e lindíssimo povo de Na’vi encanta não somente pela aparência. É inegável que contém uma graciosidade escondida sob a primeira impressão de gigantes de três metros de altura, azuis com caudas compridas e toda a aura selvagem. Assim como é inegável o fato de conquistarem os espectadores ao longo da história, com a suavidade de seus movimentos, o modo de ver a vida, a maneira como são interligados aos seus iguais e à criadora de todos, a divindade Eywa. Incrível como pode ser emocionante sentar-se por quase três horas e assistir a uma história que, sem dúvidas, tem muito da nossa própria. Um lugar de uma perfeição indescritível, destruído pela mente doentia de uma minoria movida pela ganância e pelo poder – retratado no filme através de tecnologia e muito dinheiro.
Ao término do filme, quando as luzes se acendem e está na hora de levantar e sair da sala, vem aquela vontade de mudar, de fazer a diferença no mundo. É a hora daquele banho de realidade, daquele momento em que você percebe que – COMO PODE! – somos tão mesquinhos. Futilidade. Banalidade. Superficialidade. Essas sim são as palavras que regem o nosso mundo.

Texto escrito em 24/12/2009

5 de março de 2013

Embarcando

Estou apavorada.
Estou finalmente sentada no banco de trás do nosso palio 2006 verde-oliva que parece um besouro gigante, depois de meu pai ter feito com que eu conferisse 256 mil vezes se eu estava com meu passaporte e minhas passagens em mãos.
Olho no relógio. Já são quase dez da manhã e meu vôo sai às 11h20. O trânsito até o aeroporto está razoavelmente tranquilo para uma sexta-feira e meus pais estão conversando sobre alguma negociação da imobiliária. Estacionamos, o Sr. Tanaka retira minha mala do bagageiro e seguimos em frente, no ar quente de verão curitibano (pff, tá bom). Caminhamos os três, lado a lado, em meio às pessoas apressadas. Colocar os pés no saguão de entrada me traz uma alegria inexplicável, sensação recorrente sempre que estou partindo de viagem (seja para Ponta Grossa, São Paulo ou para Paris).
Faço o check-in e entro na livraria enquanto meus pais visitam uma loja de malas e acessórios de viagem. Leio o prefácio de Dear John e não consigo avançar, em parte porque não compreendo algumas das expressões em inglês e em parte porque não estou conseguindo me concentrar. Em poucos minutos vou me separar dos meus queridos pais e estarei prestes a embarcar em uma viagem de aproximadamente 21 horas.
Esqueci-me de pegar dinheiro antes de sair de casa e uma segunda (ou quinquagésima) olhada no relógio me diz que não teremos tempo de ir até o caixa eletrônico do primeiro andar, então a Sra. Tanaka me entrega uma nota de R$50, para o caso de alguma eventualidade. De volta à área de espera, relembro os acontecimentos de seis meses atrás. Meu coração incha um pouquinho e esqueço o medo enquanto penso que finalmente vou rever Eduardo.
Os minutos passam. Tento controlar o impulso de estralar os dedos: sinal incontestável de que estou em polvorosa. O Sr. e a Sra. Tanaka fazem suas últimas recomendações e nos despedimos trocando abraços e beijos. Minha mãe está chorando e eu tiro sarro.
Estou apavorada.

(TANAKA, Rafaela. "QUÊ?!", pg. 37-38)